domingo, 7 de outubro de 2007

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Apresentação



A idéia de Ensaios & Fragmentos nasceu a partir da comprovação constante de como o mundo pode ser visto sob diversos ângulos distintos, de como ele pode ser difuso ou nítido ao atravessar os olhos dos mais sensíveis.
Tal qual um feixe de luz branca que passe por um prisma, a vida se dispersa em muitos pedaços coloridos de experiência, onde cada cor representa um degrau de maturidade atingido. Às vezes, confusamente. Às vezes, explicitamente. É como se a linha do tempo vivido fosse uma enorme escadaria oscilando em um espectro de cor. Temos momentos azuis, vermelhos e verdes. Estamos, na maior parte do tempo, dessaturados e em busca de um pigmento qualquer. A dinâmica da luz nos guia até o branco total. A ausência dela nos enegrece até o vazio. O que importa é que esse contraste, esse antagonismo, esse paradoxo vital é o que nos mantém firmes para superar as expiações que nos são impostas. Dependendo do canal em que nossa saturação esteja, nos metamorfoseamos em outra cor. E, assim, vamos compondo nossa paleta de virtudes e defeitos.
Somos, enquanto animais, apenas matizes de um mesmo tom e, ao longo da existência, fomos nos modificando e entendendo o sentido vivo, real, pulsante de como enxergar o mundo ao nosso redor. É essa percepção do extra-corpóreo que vamos utilizar para conceber nosso trabalho. Ensaios & Fragmentos é o avesso de cada um por trás da lente de uma câmera. É um retorno à nossa essência como um pedaço de argila. É a idéia mais profunda e concisa eternizada pelo registro de uma palavra.


Prólogo

A mulher com um lenço azul na cabeça e uma camiseta vermelha com uma estrela branca enorme começa seu dia. Uma peneira, um pilão de madeira, um saco de milho e um rosário dentro de um sacolão de palha... Na outra mão, uma enxada surrada pelo desgaste da miséria e constante serviço braçal! O menino, com o bucho saliente e os pés rachados no chão seco e árido do sertão Carapiozense, se desloca com as latras de óleo cheias de farinha, envoltas por seus franzinos e esquálidos braços...

O marido, com uma chibanca empunhada no ombro, semelhante a um fuzil do mais potente dos militares, vai carregando o burro com as lenhas no lombo para, mais tarde, na solidão do alpendre a fogueira acender.

Vão os três adentrando o matagal para seus afazeres diários. O menino sente as pontas afiadas dos pedregulhos sob seus pés, porém, sente-se feliz por ali estar. A mãe, que dava o ar de sua graça como Luiza, cantarola à medida que despeja o milho na peneira. A voz dela é aguda e embargada de um tom romeiro como uma velha numa tenebrosa casa de milagres em busca de conforto espiritual.

Ela, então, avista um urucunzeiro. Caminha até ele com a sacola de palha e, repentinamente, uma luz rápida e intensa ofusca sua visão por entre as folhas. A mulher, curiosa ao extremo, lentamente afasta os galhos com a intenção de ver através deles... Nova emissão de luz realça as rugas profundas e angustiadas em seu rosto.
Fica ali, parada, olhando...
Escuta, não entende...
Faz de conta que não vê...

Do outro lado, uma bela jovem despida está com um pequeno e peludo cão entre suas pernas. O cachorro se incomoda com os focos de luz forte que o bombardeiam com eloqüência. A mulher bonita se inclina na pedra onde está apoiada e ergue o animal até a altura do seu busto. A língua quente do bicho contrasta com a frieza do entumescido mamilo da moça.
Ali, sob a brisa da manhã, todas as emoções são filtradas pelo voyeurismo frenético da lente de uma câmera.



por Marcos Riviere