segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Prólogo

A mulher com um lenço azul na cabeça e uma camiseta vermelha com uma estrela branca enorme começa seu dia. Uma peneira, um pilão de madeira, um saco de milho e um rosário dentro de um sacolão de palha... Na outra mão, uma enxada surrada pelo desgaste da miséria e constante serviço braçal! O menino, com o bucho saliente e os pés rachados no chão seco e árido do sertão Carapiozense, se desloca com as latras de óleo cheias de farinha, envoltas por seus franzinos e esquálidos braços...

O marido, com uma chibanca empunhada no ombro, semelhante a um fuzil do mais potente dos militares, vai carregando o burro com as lenhas no lombo para, mais tarde, na solidão do alpendre a fogueira acender.

Vão os três adentrando o matagal para seus afazeres diários. O menino sente as pontas afiadas dos pedregulhos sob seus pés, porém, sente-se feliz por ali estar. A mãe, que dava o ar de sua graça como Luiza, cantarola à medida que despeja o milho na peneira. A voz dela é aguda e embargada de um tom romeiro como uma velha numa tenebrosa casa de milagres em busca de conforto espiritual.

Ela, então, avista um urucunzeiro. Caminha até ele com a sacola de palha e, repentinamente, uma luz rápida e intensa ofusca sua visão por entre as folhas. A mulher, curiosa ao extremo, lentamente afasta os galhos com a intenção de ver através deles... Nova emissão de luz realça as rugas profundas e angustiadas em seu rosto.
Fica ali, parada, olhando...
Escuta, não entende...
Faz de conta que não vê...

Do outro lado, uma bela jovem despida está com um pequeno e peludo cão entre suas pernas. O cachorro se incomoda com os focos de luz forte que o bombardeiam com eloqüência. A mulher bonita se inclina na pedra onde está apoiada e ergue o animal até a altura do seu busto. A língua quente do bicho contrasta com a frieza do entumescido mamilo da moça.
Ali, sob a brisa da manhã, todas as emoções são filtradas pelo voyeurismo frenético da lente de uma câmera.



por Marcos Riviere

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